27/03/2020 | Informativo - Coronavirus - art. 486 da CLT

Prezados clientes,

Com o avanço do Coronavirus muitos grupos de Whatsapp acabam difundindo notícias que nem sempre se coadunam com o melhor entendimento da legislação.

A atual notícia que vem circulando faz crer que as empresas paralisadas por conta das determinações legais de quarentena e isolamento pelo Coronavirus poderiam ter os salários dos empregados pagos pelo Governo.

Assim, cumpre-nos a esclarecer;

Dispõe o artigo 486 da CLT.

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
§ 1º - Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.
§ 2º - Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação.
§ 3º - Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum.

Suscita-se então a dúvida se tal permissivo legal poderia ser utilizado no caso da Pandemia de Coronavirus que ora assola o Brasil e o mundo.

A referida norma trata do ‘factum principis’ instituto de direito romano no qual um motivo de força maior, não esperado e nem desejado pela empresa, acaba por interferir em seu funcionamento amplo e irrestrito.

A singela análise do Estado de Calamidade declarado pelos Governos Federal, Estadual e Municipal poderiam induzir a tal caracterização de um ‘factum principis’ ou fato do príncipe como uma ordem superior a qual a empresa não poderia se opor.

“um fato imprevisto, proveniente de terceiros: uma guerra, uma resolução, a mudança repentina da orientação do governo em relação a determinados assuntos, a colocação de uma mercadoria fora do comércio. Eis aí o problema que os legisladores colocam sobre a rubrica de caso fortuito ou força maior”
(Enciclopédia Saraiva, vol. 38, pág. 150 – Verbete Força Maior, Antonio Chaves)

E ainda,

“O ato da autoridade pública federal, estadual ou municipal que, por via administrativa ou legislativa, impossibilita a continuação da atividade da empresa em caráter temporário ou definitivo”
(op. cit. pág. 163)

O instituto do fato do príncipe, regido pelo art. 486, da CLT, se aplica a nosso ver, às situações de extinção de estabelecimentos, fechamento de empresas, ou longas paralisações de atividade, motivados por fatos alheios e totalmente imprevisíveis, sem qualquer participação ou concorrência do empregador, que lhe tenha provocado prejuízos imensuráveis, levando-o ao total colapso e ruptura de suas atividades econômicas e produtivas.

Geralmente ocorre quando o Poder Público, na sua linha estratégica de planejamento urbano, e com olhar direcionado ao interesse público primário, implementa, por exemplo, uma linha de metro, uma reforma de rodovia, viaduto etc., promovendo a interdição de espaços públicos e privados, que provocam a ruptura das atividades econômicas e o desenvolvimento dos negócios circunvizinhos. Semelhante caso ocorre com as desapropriações. São casos pontuais.

No caso da pandemia do coronavírus, no entanto, a situação é diversa, pois envolve uma força maior desproporcional, atípica, totalmente imprevisível, fora do controle humano, um verdadeiro “act of God”, jamais vivenciado nas últimas décadas, que atingiu todo o planeta e não um ato de governo, uma vontade governamental, sendo que em face da globalização e encurtamento das distâncias, suscetível de provocar a extinção e o desaparecimento de inúmeros estabelecimentos, especialmente os pequenos e médios, que não dispõem de uma estrutura saudável de capital próprio, e no qual se encontra justamente alocado o maior número de empregados com carteira assinada no Brasil.

Sendo assim, o enquadramento do coronavírus como pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, o situa no plano da calamidade pública, atingindo virtualmente todas as empresas do planeta, provocando uma gigantesca canalização de recursos financeiros do Estado para a saúde pública, já que a vida das pessoas encontra-se em primeiro lugar, não se mostrando assim viável a aplicação do ato de uma pessoa – o ato do príncipe – se superar a um ato de Deus, um ‘act of God’, sendo escusável a aplicação do referido artigo na situação vivenciada.

Além disso, em relação aos atos legislativos, nestes incluídos os decretos, Lopes Meirelles sustenta que “a Fazenda Pública só responde mediante comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva” e Carvalho Filho rechaça a possibilidade de responsabilidade do Estado, excepcionando apenas os casos de lei inconstitucional e lei de efeitos concretos, sendo que a CLT de forma isolada do contexto jurídico como um todo não teria base legal para a aplicação isolada do referido artigo 486.

No mais o propalado artigo há de ser interpretado em conjunção ao artigo 501 da própria CLT que assim prevê;

Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

Logo, o Governo Federal ao prever a pandemia de coronavirus como motivo de força maior editou a MPV 927 para tentar mitigar parte dos efeitos das restrições no momento adotadas.

Anote-se ainda que na Justiça do Trabalho há raríssimos julgados deferindo ganho de causa com fulcro no fato do príncipe, como condição de excludente da responsabilidade do empregador. O que se vê na prática, invariavelmente, é a atribuição do risco ao empregador, consoante art. 2º., parágrafo 2º., da CLT. Em outras palavras, a Justiça do Trabalho têm se inclinado no sentido de que todas as verbas rescisórias e do contrato de trabalho são devidas pelo empregador, nas dispensas individuais ou coletivas. Raros são os casos de responsabilidade do Estado com base no “factum principis”.

Assim, não se mostra recomendável adotar por si só o disposto no artigo 486 da CLT como base para tomada de decisões acerca da continuidade dos negócios da empresa, configurando verdadeira aventura jurídica a tentativa de atribuição do pagamento de salários e demais despesas ao ente público pelo fechamento da empresa.

À disposição para eventuais dúvidas.

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